As discussões sobre golpe de Estado na cúpula militar no fim do governo Bolsonaro

Freire Gomes,ex-comandante do Exército; Jair Bolsonaro; e Paulo Sérgio,ex-ministro da Defesa — Foto: Cristiano Mariz/Agência O Globo

Em um dos diálogos captados pela Polícia Federal na investigação da trama golpista que se desenrolou no final do mandato de Jair Bolsonaro,dois coronéis que assessoravam a cúpula do Exército conversam sobre a disposição do Alto Comando de aderir a um golpe de Estado.

Bastidores: Mensagens mostram que ‘auditores’ do partido de Bolsonaro sabiam que não havia fraude nas urnasTrama golpista: O mistério que o relatório de mais de 800 páginas da PF não conseguiu esclarecer

Em 16 de outubro de 2022,Fabrício Bastos,que trabalhava no Centro de Inteligência do Exército,diz que Bolsonaro tinha que mandar prender “todo mundo no STF e no TSE” por conta de decisões da Corte Eleitoral contra a campanha de Bolsonaro. Mas Bernardo Romão Correa Netto,que era assistente do Comandante Militar do Sul,diz que isso não aconteceria porque o Alto Comando (ACE) não queria. “O ACE tem sido enfático nas afirmações de que devemos nos manter de fora das disputas políticas”,diz ele. “Foram várias VC (videoconferências) do general Freire Gomes com o ACE para falar sobre isso.Eles nao entendem da mesma forma que nós,velho”.

Nos meses seguintes,os dois coronéis mergulhariam de cabeça na conspiração para impedir a posse de Lula – e uma vez descobertos e presos,passaram a ser vistos pelos generais como traidores. Mas o relato que faziam sobre o que se passava no interior do Alto Comando estava correto.

Ato falho: Após indiciamento pela PF,Bolsonaro admite golpe militar de 1964Leia também: STF marca julgamento de recurso de Bolsonaro por impedimento de Alexandre de Moraes

Segundo generais com quem conversei nos últimos dias,a ofensiva golpista de Bolsonaro passou a ser discutida no segundo semestre em todas as reuniões da cúpula,que reúne os 16 generais de quatro estrelas,mas nunca se usava a palavra golpe. “Nós não discutíamos propriamente golpe,falávamos sobre a situação de instabilidade do país e a tentativa de nos envolver na disputa. Todos diziam que devíamos ficar afastados da política,e se alguém não concordava ficava quieto”,diz um general que integrava o Alto Comando naquela época.

O mesmo relato é corroborado por outro general de quatro estrelas com quem conversei. “O assunto não entrava na pauta,mas sempre se falava a respeito na parte reservada para a discussão de conjuntura”. De acordo com esse oficial,até hoje se especula na cúpula militar quem poderiam ser os três generais que queriam muito o golpe – segundo outro coronel,Reginaldo Vieira de Abreu,na época assessor no Palácio do Planalto no governo Bolsonaro,afirma num áudio captado pela PF. “Se queriam,nunca disseram abertamente”,comenta esse general.

Bastidor: PF vê caminho para denúncia única contra Bolsonaro por trama golpista,vacina e joiasE mais: General próximo de Bolsonaro coordenou acampamento golpista com oficial da reserva

Apesar do aparente consenso contra o envolvimento dos generais na aventura bolsonarista,quando os acampamentos nas portas de quartéis cresceram país afora,ficou claro que havia uma divisão no comando.

Parte dos generais insistia nas reuniões para que o comandante,general Marco Freire Gomes,retirasse os manifestantes do entorno dos quartéis. Freire Gomes,porém,respondia que o Exército não deveria “se meter” e nem “chegar perto” do assunto.

Golpe de Estado: Diante de recusa de comandantes,Bolsonaro convocou chefe de operações terrestresLeia também: Bolsonaro tinha 'pleno conhecimento' de planejamento para matar Lula,Alckmin e Moraes,diz PF

Parte da cúpula concordava com ele,e por isso ao final chegou-se a um acordo de que,enquanto os acampamentos não interferissem na vida dos quartéis,poderiam continuar. Por “não interferir” se entendia não atrapalhar a liberdade de ir e vir,não danificar o patrimônio e nem atrapalhar as atividades do dia-a-dia.

Mas como nada foi feito,os acampamentos continuaram e aumentaram até o final de dezembro. Só começaram a diminuir quando Bolsonaro deixou o país rumo aos Estados Unidos,em 31 de dezembro de 2022,último dia do mandato.

Inimigo íntimo: Cid confirmou à PF reunião na casa de Braga Netto sobre plano para matar Lula e Alexandre de MoraesE mais: Vice de Bolsonaro em 2022,Braga Netto tem 98 menções em relatório da PF

Para um dos generais ouvidos pela coluna,permitir os acampamentos foi um erro. “Não fazer nada foi entendido por aquelas pessoas como um indicador de que estávamos apoiando”.

Foram esses debates internos que vazaram para o jornalista Paulo Figueiredo,então na Jovem Pan,que divulgou no ar uma lista de generais apelidados de melancias – verdes por fora,mas vermelhos por dentro – que estariam contra Bolsonaro e a favor da esquerda. Entre esses generais estavam o atual comandante de Lula,Tomás Paiva,e os generais Richard Nunes e Valerio Stumpf (que já foi para a reserva).

Bastidores: O desconforto no STF com a decisão de Alexandre de Moraes de levar golpistas para 1ª TurmaGolpe de Estado: A versão e o dilema de Bolsonaro para escapar da prisão após indiciamento

Segundo a investigação da PF,convencer a cúpula militar a aderir ao plano era essencial para que o golpe fosse adiante,e os vazamentos de nomes de generais que eram contra uma virada de mesa fazia parte do plano para tentar dobrar a resistência do Alto Comando a apoiar as pretensões de Bolsonaro.

Veja quem são os indiciados pela Polícia Federal

1 de 30


Jair Messias Bolsonaro,ex-presidente da Repúblic — Foto: MAURO PIMENTEL / AFP

2 de 30


Alexandre Rodrigues Ramagem,policial federal,ex-diretor da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) — Foto: Domingos Peixoto / Agência O Globo

Pular

X de 30


Publicidade 30 fotos

3 de 30


Angelo Martins Denicoli,ex-diretor no Ministério da Saúde e ex-assessor na Petrobras — Foto: Reprodução

4 de 30


José Eduardo de Oliveira e Silva,padre — Foto: Reprodução

Pular

X de 30


Publicidade

5 de 30


Almir Garnier Santos,ex-comandante da Marinha do Brasil — Foto: Reprodução

6 de 30


Ailton Gonçalves Barros,ex-militar e advogado — Foto: Reprodução

Pular

X de 30


Publicidade

7 de 30


Alexandre Castilho Bitencourt da Silva — Foto: Reprodução

8 de 30


Amauri Feres Saad,advogado — Foto: Reprodução

Pular

X de 30


Publicidade

9 de 30


Anderson Gustavo Torres,ex-ministro da Justiça e Segurança Pública — Foto: Reprodução

10 de 30


Augusto Heleno Ribeiro Pereira,ex-ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência — Foto: Agência Brasil

Pular

X de 30


Publicidade

11 de 30


Bernardo Romão Corrêa Netto — Foto: Reprodução

12 de 30


Carlos Cesar Moretzsohn Rocha,Dono do Instituto Voto Legal (IVL) — Foto: Reprodução

Pular

X de 30


Publicidade

13 de 30


Cleverson Ney Magalhães,militar — Foto: Reprodução

14 de 30


Filipe Garcia Martins Pereira,ex-assessor de Bolsonaro — Foto: Reprodução

Pular

X de 30


Publicidade

15 de 30


Guilherme Marques Almeida,ex-chefe da seção de Operações Psicológicas no Comando de Operações Terrestres — Foto: Divulgação

16 de 30


Laércio Vergílio — Foto: Reprodução

Pular

X de 30


Publicidade

17 de 30


Marcelo Costa Câmara,ex-ajudante de ordens de Bolsonaro — Foto: Reprodução

18 de 30


Fernando Cerimedo,influencer dono do canal La Derecha Diario — Foto: Reprodução

Pular

X de 30


Publicidade

19 de 30


General Estevam Theophilo Gaspar de Oliveira — Foto: Divulgação/Exército

20 de 30


General Mario Fernandes — Foto: Reprodução/Youtube

Pular

X de 30


Publicidade

21 de 30


Mauro Cesar Barbosa Cid,ex-ajudante de ordens de Bolsonaro — Foto: Cristiano Mariz/Agência O Globo

22 de 30


Nilton Diniz Rodrigues,comandante da 2ª Brigada de Infantaria de Selva — Foto: Reprodução

Pular

X de 30


Publicidade

23 de 30


Paulo Renato de Oliveira Figueiredo Filho,empresário,neto de João Baptista Figueiredo,último presidente da ditadura — Foto: Reprodução

24 de 30


Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira,ex-ministro da Defesa e ex-comandante do Exército — Foto: Agencia Brasil

Pular

X de 30


Publicidade

25 de 30


Rafael Martins de Oliveira,tenente-coronel do Exército — Foto: Reprodução

26 de 30


Tércio Arnaud Tomaz,ex-assessor especial de Bolsonaro — Foto: Reprodução

Pular

X de 30


Publicidade

27 de 30


Valdemar Costa Neto,presidente do PL (partido de Bolsonaro) — Foto: Brenno Carvalho / Agência O Globo

28 de 30


Walter Souza Braga Netto,ex-ministro da Casa Civil e da Defesa — Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo / Arquivo

Pular

X de 30


Publicidade

29 de 30


Wladimir Matos Soares,policial federal — Foto: Reprodução

30 de 30


Fabrício Moreira de Bastos,ex-chefe da Secretaria de Comunicação Social de Bolsonaro e do 52° Batalhão de Infantaria de Selva do Exército,em Marabá (PA) — Foto: Reprodução

Pular

X de 30


Publicidade PF reuniu indícios que conectam o ex-presidente Bolsonaro às articulações com teor golpista de impedir a posse do presidente Lula

O relatório final do inquérito da trama golpista elenca quatro reuniões de Bolsonaro com os comandantes das Forças Armadas para apresentar a minuta do golpe.

Inimigo íntimo: Reunião sobre atentado contra Alexandre de Moraes ocorreu a 350m de onde vivia o ministroInvestigação: Em áudio,general que fez plano para matar Lula diz que Bolsonaro aceitou 'assessoramento'

Mas o comandante do Exército,general Freire Gomes,e o da Aeronáutica,Carlos de Almeida Baptista Junior,se recusaram a aderir. Em depoimento à PF,Freire Gomes declarou que reagiu a Bolsonaro dizendo que,se ele fosse adiante na tentativa de impedir a posse de Lula,seria obrigado a prendê-lo.

Freire Gomes,não relatou nenhuma dessas reuniões ao Alto Comando. Guardou segredo sobre o que se passava na época,mas foi obrigado a contar tudo para a PF.

Cabo de guerra: Deputados que assinam impeachment de Alexandre de Moraes estão na mira do ministroBastidor: Impeachment de Alexandre de Moraes deixa de ser unanimidade entre aliados de Bolsonaro