'Os sistemas de saúde não estão preparados para lidar com o impacto das mudanças climáticas no organismo', diz presidente do Einstein

Dr. Sidney Klajner,presidente do Einstein — Foto: Egberto Nogueira/Imã Fotografia

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GERADO EM: 18/11/2024 - 19:04

Impactos das Mudanças Climáticas na Saúde: Alerta do Presidente do Einstein

Presidente do Einstein alerta que sistemas de saúde não estão preparados para impactos das mudanças climáticas. Efeitos incluem aumento de doenças infecciosas,piora na qualidade dos alimentos e escassez,afetando até a saúde mental. Discussão ainda precisa ganhar destaque,com expectativa de maior atenção na próxima COP no Brasil. Medidas urgentes são necessárias,como planos de adaptação e preparo da infraestrutura e dos profissionais de saúde.

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Ondas de calor extremo,epidemia de dengue,enchentes,queimadas cuja fumaça escurece o céu de metade do país. Tudo isso é efeito das mudanças climáticas e impacta a nossa saúde. Entretanto,esse efeito ainda é pouco discutido em eventos sobre mudanças climáticas,como a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas,cuja última edição,a COP29,foi realizada em Baku,no Azerbaijão.

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É de lá que o médico Sidney Klajner,presidente do Hospital Albert Einstein,falou ao GLOBO,em entrevista por telefone. Segundo Klajner,"mesmo quando tudo impacta na saúde,o tema "vem ficando para trás nas discussões da COP". Mas ele espera que essa tendência mude e o tema ganhe mais tração na próxima edição do evento,que será realizada no próximo,em Belém,no Pará. O médico também explicou os efeitos diretos e indiretos das mudanças climáticas na saúde e acredita que os sistemas de saúde não estão preparados para lidar com isso. Confira na entrevista abaixo.

De que forma as mudanças climáticas mais impactam a saúde?

Se as mudanças climáticas não são ainda uma das maiores ameaças à saúde,vou dizer que é uma grande preocupação. O impacto é muito grande e isso não afeta apenas a população vulnerável. As alterações climáticas contribuem para o aumento da transmissão de doenças infecciosas,piora da qualidade dos alimentos,diminuição da quantidade da produção de alimentos,migração da população,além de outros efeitos diretos,como onda de calor,poluição e catástrofes,como o que aconteceu no Rio Grande do Sul. Se considerarmos apenas onda de calor e poluição,isso já é capaz de aumentar demais o fluxo de pacientes com problemas respiratórios nos pronto-atendimentos,por exemplo. Uma publicação na revista Lancet aponta para um aumento de mortalidade por questões relacionadas à poluição de 9 milhões de pessoas por ano,levando em conta problemas respiratórios,cardiovasculares,aumento do risco de desenvolvimento de câncer,etc. Em outra publicação,só a onda de calor de 2022 na Europa aumentou em 70 mil o número de mortes no ano. No Rio Grande do Sul,vimos aumento no número de casos de doenças como hepatite e leptospirose. Durante as queimadas,além das pessoas não poderem ir até a unidade de saúde devido ao risco da inalação de partículas,muitas unidades de saúde fecharam,o que também impacta no atendimento. Novas pandemias também irão surgir porque a transmissão fica muito mais fácil devido à alteração climática e aproximação do homem do habitat natural de animais,o que ocorre até mesmo por migração da população. É o que acontece quando temos uma gripe aviária,uma gripe suína ou a própria Covid-19,que vem de outros animais.

A saúde mental também é impactada?

Saúde mental é algo que está na pauta e que só tende a piorar. Imagina a do profissional de saúde? Uma das grandes questões do Rio Grande do Sul hoje é lidar com problemas de saúde mental depois da perda material e de pessoas nas enchentes e isso não é algo exclusivo do Brasil. Aconteceu a mesma coisa na Espanha há pouco tempo.

O sistema de saúde está preparado para lidar com esses efeitos?

Os sistemas de saúde não tão preparados para tudo isso. Por exemplo,diante de catástrofes,as doenças crônicas deixam de ser acompanhadas porque as unidades de atenção primária fecham. Os hospitais não estão preparados com materiais que resistem ao fogo,ao calor nem com diques para impedir a entrada de água. Eu costumo sempre lembrar que grande parte dos geradores de hospitais estão no subsolo dos hospitais,que então a infraestrutura também é muito importante. Na região norte,por exemplo,durante o surto de dengue,chegou a acabar o soro para hidratar pessoas. É uma coisa básica. Mas tinha um número tão grande de doentes que o soro acabou.

Como o sistema de saúde pode se preparar?

Tem que haver uma liderança para que essa discussão venha à pauta. Aliás,tem uma lei que foi aprovada em junho que determina que todos os municípios deveriam ter um plano de adaptação do sistema de saúde diante de extremos climáticos,mas pouquíssimos municípios hoje têm isso. Essa discussão tem que vir à tona para que secretários municipais,secretarias estaduais possam ter em mente um plano de catástrofe. O primeiro ponto é ter foco na população. A população precisa ser informada. Por exemplo,quem tem doença crônica,está tratando uma doença oncológica,precisa saber onde vai continuar sendo atendido quando a sua unidade de saúde de referência é fechada por motivo de catástrofe climática. Se está previsto uma onda de calor,como a que tivemos no meio do ano,alguns grupos,como pessoas com doenças pré-existentes,idosos ou em algum tipo de tratamento,tem que ser avisados de que forma eles vão se proteger. Quando as queimadas cobriram metade do país,algumas pessoas não precisariam comparecer num quadro de urgência no pronto-socorro se tivessem sido orientadas sobre uma prevenção,como uso de máscara. Em segundo lugar,é preciso preparar a infraestrutura e o terceiro ponto é a própria capacitação dos profissionais de saúde. O profissional tem que estar preparado para saber como estabelecer fluxos adequados durante uma catástrofe. Esse treinamento tem que incluir enfermeiros,fisioterapeutas,médicos,especialistas ou não. O país tem de ter mais pesquisas para entender como os sistemas podem se preparar melhor. Tem pouco resultado hoje que nos permite ter o domínio da situação,mas a discussão tem que ser feita. Atualmente,o Einstein tem o privilégio de gerir hospitais públicos,dois no Município de São Paulo,um em Aparecida de Goiânia,outro em Goiânia e outro na Bahia e vemos que diferentemente de um hospital privado que talvez possa remanejar seus pacientes e ampliar a capacidade do pronto-atendimento,no Sistema Único de Saúde não tão simples ampliar a capacidade de atender. Por exemplo,não é simples aumentar o número de pneumologistas,respiradores ou vagas de UTI para tratar infecções respiratórias e isso é algo importante para lidar com um cenário de queimadas,por exemplo. Também temos uma iniciativa,em parceria com o Ministério da Saúde,para tentar mapear populações mais vulneráveis porque já tem menos acesso à saúde,como formadas por quilombolas ou por indígenas,tentando associar a condição de saúde atual com o mapeamento,por satélite ou internet,da alteração climática a qual elas estão submetidas. Isso vai se prolongar durante alguns anos e permitir que o Ministério tenha informação para entender como dirigir melhor o investimento.

Como está a discussão dos efeitos das mudanças climáticas na saúde na COP deste ano?

Dentre as discussões que a gente viu na COP 29,deu para perceber que a saúde vem ficando para trás nessa discussão,se compararmos com o número de plenárias e apresentações relacionadas à energia,transição energética e pegada de carbono,por exemplo. Mesmo quando tudo impacta na saúde. Por exemplo,sabemos que até 2030,os dispêndios a mais com problemas de saúde por causa de alterações climáticas variam de 2 a 4 bilhões de dólares por ano,a mais do que já se gasta hoje. Além disso,de todo o investimento multilateral que está sendo feito,nas negociações na COP,por todos os países,um valor de 2% está sendo dedicado à saúde.

Diante de tudo o que está acontecendo no mundo,há expectativa para que essa discussão ganhe mais importância?

Estivemos na COP 29 para tentar trazer essa discussão de forma mais forte durante a COP 30,que será realizada no Brasil. Parte do nosso trabalho lá foi sensibilizar pessoas que estão fazendo parte da organização da COP 30 para que isso seja uma discussão muito presente no Brasil. Lembrando que faz apenas três anos que a saúde passou a ser tema de discussão na COP.