Aumento da população em favela revela fracasso de política habitacional

A comunidade da Rocinha,no Rio: população de favelas aumentou no Brasil,segundo o IBGE — Foto: Custodio Coimbra/08-11-2024

O IBGE publicou na semana passada dados desalentadores sobre a habitação no Brasil. A população morando em favelas cresceu de 6% do total em 2010 para 8% em 2022,alcançando 16,3 milhões. As favelas quase dobraram ao longo desses 12 anos e chegaram a 12.348,espalhadas por 656 municípios. Estima-se que 18% da área ocupada por elas esteja em zonas de risco. Tais números expõem o fracasso da política habitacional dos últimos anos,em particular do programa Minha Casa,Minha Vida (MCMV)

Lançado em 2009,o MCMV entregou algo como 8 milhões de moradias,pela estimativa do governo. Até 2026,a promessa são mais 2 milhões de unidades. Entre 2009 e 2019,a União despejou na iniciativa R$ 174 bilhões em subsídios financeiros e tributários,além de destinar mais R$ 131 bilhões em financiamentos do FGTS (em valores atualizados). Esvaziado no governo passado,o programa voltou a ganhar ímpeto na atual gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva,com R$ 24 bilhões em dotação orçamentária,mais R$ 122 bilhões ofertados pelo FGTS.

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Claramente,esse dinheiro todo não tem cumprido a missão de fornecer habitação digna à população de baixa renda. Os motivos são vários. O primeiro é a falta de foco. Não faz sentido o programa deixar de priorizar quem está na base da pirâmide social. Os moradores de favelas correm mais riscos de contrair doenças por falta de saneamento. Com mais eventos climáticos extremos,estão mais suscetíveis a deslizamentos e enchentes. Do total de domicílios em déficit habitacional em 2019,74,5% tinham renda até dois salários mínimos,segundo estimativa da Fundação João Pinheiro. Essa parcela da população deveria ser o principal foco.

Mas o modelo consolidado pelo MCMV é a construção em grande escala. Incorporadores procuram terrenos grandes,acabam lançando empreendimentos com serviços públicos deficientes,distantes dos locais de trabalho. Seria possível gastar melhor o dinheiro incentivando a ocupação de áreas centrais deterioradas,com loteamentos menores ou reformas.

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Em larga medida,o MCMV reproduz o erro do Banco Nacional de Habitação (BNH),programa habitacional da ditadura militar. Nos 22 anos em que esteve ativo,financiou 4,5 milhões de unidades habitacionais,apenas 33,5% destinadas a setores populares. Na primeira década de funcionamento do MCMV,foram 36,8% para faixa de renda mais baixa e,de lá para cá,o governo ampliou o acesso à classe média.

É certo que a inadimplência nas faixas de renda mais altas é menor e,no cálculo político do governo,o que costuma importar é o número de chaves entregues. Há ainda o interesse das construtoras dependentes do sistema atual. Perde quem mais precisa de ajuda para ter uma casa com condições mínimas de abrigar uma família.

A métrica principal que o MCMV deveria perseguir não são empregos criados,nem unidades entregues,mas o êxito ao reduzir a população que vive em condições precárias. Mantido como está,a população das favelas continuará aumentando.