O Brasil na 'Rota da Seda Atômica'

Ponto de ônibus na Usina Nuclear de Fuqing (ao fundo) — Foto: Marcelo Ninio

Em uma rara visita a um reator nuclear na China aberta a jornalistas estrangeiros,duas ideias são particularmente ressaltadas. A primeira é que a segurança está em primeiro lugar. A segunda,que se encaixa na poderosa diplomacia econômica do país,é que o modelo de energia nuclear chinês é do tipo exportação. De preferência aos países que integram a Iniciativa Cinturão e Rota,também conhecida como a “Nova Rota da Seda”.

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Enquanto em muitos países,energia nuclear virou sinônimo de risco,assombrados por acidentes como o de 1986 em Chernobyl (Ucrânia) e 2011 em Fukushima (Japão),na China ela é parte da estratégia nacional. Se tudo der certo,atende a duas prioridades do Partido Comunista: ampliar as fontes de energia limpa ao consumo doméstico e negócios para empresas chinesas no exterior. Aos poucos fica claro que é mais um desdobramento do megaprojeto de infraestrutura do país,uma espécie de “Rota da Seda Atômica”.

No mapa de 20 parceiros potenciais exposto num showroom da usina de Fuqing,no sul do país,o Brasil está lá — embora oficialmente não tenha entrado na iniciativa chinesa. Há sinais de que isso está prestes a mudar. Duas semanas atrás,o presidente Lula enviou uma delegação de peso a Pequim para negociar a contrapartida que o país quer levar caso realmente venha a aderir ao projeto chinês. Cresce a expectativa de que isso ocorra na visita ao Brasil do presidente chinês,Xi Jinping,em fins de novembro.

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Ninguém comenta oficialmente se o setor fez parte da “lista de compras” da delegação brasileira em Pequim. Mas não é segredo a discussão no governo sobre a possível conclusão da usina nuclear de Angra 3. Paralisada desde 2015,a obra foi incluída no Novo Programa de Aceleração de Crescimento (PAC),que é capitaneado pelo ministro Rui Costa,titular da Casa Civil de Lula. Foi Costa que chefiou a recente missão brasileira em Pequim.

Secretária da Liga da Juventude Comunista,Zhang Enyu foi a encarregada de receber os convidados estrangeiros na usina de Fuqing,entre eles este repórter. Após apresentar as supostas vantagens em termos de eficiência,custo e segurança do reator Hualong de terceira geração,Zhang afirma que a ambição do país é compartilhar o conhecimento com o mundo,incluindo transferência de tecnologia. Sucesso comercial e transição energética: uma dobradinha “ganha-ganha”,como os chineses costumam promover suas iniciativas.

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O fato de uma enviada do PC servir de guia mostra como o setor nuclear aqui é uma mistura de interesses econômicos,estratégicos e ideológicos com características bem chinesas. Li Zonglin,gerente da usina,afirma que a experiência em infraestrutura acumulada pela China deu ao país uma capacidade única de assumir grandes obras. O setor nuclear é só um exemplo,com ritmo de construção sem igual: são 55 usinas operando e 32 em construção. Estão chegando perto dos EUA,líder mundial,com 94 usinas nucleares.

Outro conceito repetido na visita ao reator chinês é do “uso pacífico” da energia nuclear. Nos últimos anos,a China tem gerado inquietação no Ocidente pela expansão de seu programa balístico nuclear,mas isso fica fora do programa da visita. Num mural da estatal que administra os reatores,as palavras de Xi ecoam uma relação de longo prazo: “A indústria nuclear é uma pedra angular da segurança nacional.”