Bicampeão mundial e tri da Libertadores,o ex-goleiro Pato Abbondanzieri,que passou pelo Internacional,se dedica à vida no campo — Foto: La Nacion
Choveu durante as primeiras horas da manhã em Bouquet,na Argentina,e Roberto Abbondanzieri acordou muito bem disposto. “Vivemos do que o céu nos manda”,resume,em tom agradecido,o "camponês" que fala de assuntos que envolvem quintais,colheitadeiras e agrotóxicos. Sua propriedade rural fica a 3,5km da cidade de Santa Fé e,no galpão,entre plantadores,algumas capinadeiras e ferramentas diversas,há três kartódromos.
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“Eu sou louco por carros. Acompanho todas as provas de Turismo Rodoviário e de Turismo Nacional,todas elas. Agora estou otimista com [Franco] Colapinto,nunca consegui celebrar um de nossos pilotos na Fórmula 1. Com [Carlos] Reutemann eu era menino,e depois é verdade que tivemos Fontana,Tuero,Mazzacane,mas [...] você vê. Quando joguei na Espanha,admirava o Fernando Alonso […] É uma paixão,e o carro de corrida foi o que mais experimentei: fiz duas corridas no Top Race,corri nos Mini Coopers de Buenos Aires e muito no kart também”,conta o agora fazendeiro Pato Abbondanzieri,goleiro tetracampeão da Libertadores (três vezes com o Boca Juniors e uma com o Internacional) e bicampeão do Mundial,em 2000 e 2003,com os xeneizes.
Ele conta isso com tanto orgulho quanto tem dos pênaltis que defendeu de Pirlo e Costacurta em 2003,garantindo que o Boca se sagrasse campeão mundial contra o Milan de Carlo Ancelotti,há 20 anos. O ex-goleiro lembrou momentos de sua carreira e contou seu novo hobby durante entrevista ao jornal argentino La Nacion.
Você é um homem do campo: você mora no campo,você gosta do campo. Mas quais são os problemas do campo?
"Não dá para pavimentar todas as estradas provinciais ou rotas locais,não. Devem estar ruins porque aqui tem muito excesso de peso com máquinas e caminhões. O que sempre se pediu,e se pede,e nunca se avança,é o cuidado e a manutenção dessas estradas de terra. Pense que as estradas do campo nasceram no nível,na altura das cercas,e hoje você tem estradas que ficam dois metros abaixo de uma cerca. Elas afundaram. E isso mostra má gestão. Elas têm que estar limpas,arrumados,e nada disso acontece. Para mim,isso nunca será resolvido,independentemente dos esforços de algumas instituições."
Quais duas ou três medidas essenciais para o campo você pediria ao presidente Milei?
"Essencialmente,retenções. Sempre se disse que o cereal era administrado junto com o dólar,e hoje isso não está acontecendo,o dólar foi para 1000 e a soja,o milho e o trigo continuam da mesma forma. Embora mantenha um preço interessante,não está condizente com o valor do nosso dólar. E outra questão são os herbicidas e líquidos de que você precisa,que também são dolarizados e,portanto,o gasto é enorme. Resumindo: eu levantaria a questão das retenções e dos agroquímicos,além do gasto que nos cobram para levar aos portos e às cooperativas. Preciso que meu campo renda pelo menos 30 quintais,para despesas,a serem feitas. Só então você poderá ter lucro. [...] O que tenho falado com os senadores ou com o governador de Santa Fé é que o campo não peça que dê tudo a ele,mas vamos todos vencer. O Governo pode tirar com calma o que precisa do campo,porque o campo é muito produtivo,mas também não nos esvazie."
Você gostaria de voltar para o Boca?
"Não,isso não passa pela minha cabeça hoje. Tenho 52 anos e não,não. Porque o Mauricio [Macri] me pediu,apoiei Ibarra nas últimas eleições [do clube]. O que não gosto,porque como já te disse,a política não me interessa,e um clube também é político. Fiz isso por um amigo como o Mauricio,mas não faria de novo. Se Ibarra ganhasse,com certeza me ofereceriam uma posição,e eu deixei claro para eles que não queria nada,mesmo que ganhasse,voltaria para minha cidade. Não sei se aos 60 anos. É por isso que não diria um sonoro não para mais tarde. Mas agora não,não."
Pato Abbondanzieri,símbolo do Boca: 345 jogos e 14 títulos como goleiro xeneize — Foto: Ali Burafi/AFP
E se amanhã o [Martín] Palermo for o técnico do Boca e pedir para você acompanhá-lo novamente?
"Martín foi o culpado por eu treinar,caso contrário eu nunca teria feito isso. E em vez de passar três anos como empreiteiro rural,seriam necessários 13 anos. Esse foi um pedido especial de um amigo e me pareceu que não poderia ser tão ingrato e tão injusto em não acompanhá-lo. Tive que fazer o curso de técnico,viajar de novo,me concentrar de novo. Na verdade foi pior,porque ser treinador é muito mais escravo do que jogador. Não gostei nada disso,mas fiz isso por um amigo. Até a pandemia dar um clique muito importante,aconteceram coisas comigo a nível pessoal,a perda do meu pai em 2019,e o desejo já não era o mesmo. Então,se eu não estava dando 100% para o Martín,eu o estava traindo. Conversamos sobre isso,nos entendemos e hoje temos um relacionamento ainda melhor. E cuidamos do relacionamento,porque no futebol,às vezes,quando os resultados não são dados,você pode ter aqueles atritos dos quais depois se arrepende. Temos uma amizade muito grande,como com o Guillermo [Schelotto],como com os outros caras,como com aqueles que estão hoje no Boca,com quem não tenho nenhum problema. Além do mais,Román [Riquelme] me convidou para sua despedida,mas as eleições estavam chegando,foram momentos difíceis para eu resolver. Quero me dar bem com todos,e talvez isso seja ruim,mas sou assim."
Como você vê a gestão do Riquelme? Você o imaginou como presidente?
"Não,não. Talvez eu pudesse imaginá-lo como treinador ou dirigente,mas nunca o imaginei como presidente. Román foi um fenômeno como jogador,nunca vi alguém com essa qualidade como companheiro."
Sério? Você jogou com Messi e com Maradona.
"Sim,sim. Peguei o Messi quando ele era pequeno,ele já era um gênio,claro,mas não consegui desfrutar tanto. E também estive com o Maradona em 1997,e foi fabuloso vê-lo de perto no dia a dia dos treinos. Mas o Román me fez vivenciar coisas impressionantes,tem a ver com os momentos de plenitude com que você tem que ser parceiro de alguém. A visão de jogo dele era incrível,por isso o imaginei mais próximo do campo do que da gestão."
Abbondanzieri (ao centro de amarelo) foi um dos goleiros da Argentina na Copa do Mundo de 2006 — Foto: Juan Mabromata/AFP
Quando foi a última vez que você foi à Bombonera como espectador?
"Nunca mais fui à Bombonera como espectador desde que me aposentei. Bem,fui à despedida do Martín [Palermo] e à despedida do Seba [Battaglia],mas nunca mais como espectador. Estou longe,mas isso tem solução,porque aqui na minha cidade tem torcedores do River e do Boca que vão. Quer dizer,eu poderia fazer isso. O problema é que eu sinto coisas e isso não funciona para mim. Não consigo ver o aquecimento no campo. [...] Não posso ir à Bombonera [...] não sei,eu queria me aposentar lá e não consegui."
O que você acha de 'Dibu' Martínez?
"Bom,eu o conheço há anos porque dividimos o empresário,Gustavo Goñi,com o Martín e com o Dibu. Eu o conheci quando ele estava na Inglaterra,emprestado de um clube para outro. Não estou surpreso com o que ele está fazendo,vejo ele muito parecido comigo,talvez por ser grande,com braços longos. Mas,olha,ele já me superou muito. É uma fera. Ele é um daqueles goleiros que você vê no gol e se pergunta 'como faço para furar esse cara?' Tivemos contatos,dei os parabéns e também falamos da sua personalidade. Estar na seleção é difícil,veja o que aconteceu com ele com a sanção [punição de dois jogos por agredir um operador de câmera],e acho que ele se conscientizou. E atenção,sejamos justos: nós,torcedores,também pedimos coisas,porque gostamos da dancinha."