Discípulo de Mujica é favorito na eleição no Uruguai

Orsi ao lado de Mujica no encerramento da campanha,na semana passada — Foto: AFP

Depois de ter deixado o poder em 2019,após três mandatos presidenciais consecutivos,a coalizão de esquerda Frente Ampla (FA),do ex-presidente José “Pepe” Mujica (2010-2015),chega hoje às eleições do Uruguai com a esperança de um retorno em grande estilo. O homem que encarna essa esperança é Yamandú Orsi,um ex-prefeito de 57 anos que conta com o apoio crucial de Mujica,um dos maiores líderes políticos do país de todos os tempos. Aos 89 anos,e lutando para se recuperar de um câncer no esôfago,o ex-presidente emocionou não apenas os eleitores da coalizão,mas grande parte do país,com um discurso no encerramento da campanha de Orsi,no qual afirmou que “os melhores dirigentes são aqueles que deixam um grupo que os supera com vantagem”.

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Aposta no segundo turno

Foi o último gesto de respaldo ao candidato,militante do Movimento de Participação Popular (MPP,integrante da FA) e considerado seu discípulo. Segundo as pesquisas mais recentes,Mujica continua sendo um dos políticos com a imagem mais positiva no país,e seu apoio a Orsi,um dirigente mais jovem,pouco carismático e sem o poder de oratória de seu mestre,foi fundamental para colocá-lo na liderança,com grandes de chances de se eleger num provável segundo turno,em novembro.

— Pela primeira vez em 40 anos,não participo de uma campanha,e o faço porque estou lutando contra a morte… Sou um idoso que está muito perto de se retirar para o lugar de onde não se volta,mas sou feliz porque estou com vocês. Quando meus braços se forem,milhares de braços me substituirão na luta — disse Mujica,ao lado de Orsi e diante de uma plateia profundamente emocionada.

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Hoje os uruguaios votarão no primeiro turno da eleição presidencial,em que também elegerão 100% do novo Parlamento do país. O resultado da eleição parlamentar é essencial para quem for eleito como sucessor do atual presidente,Luis Lacalle Pou,à frente de uma coalizão de cinco partidos de centro e direita.

O cenário político uruguaio é profundamente diferente do de seus vizinhos. Praticamente não existe polarização no país,e as propostas dos principais candidatos não apresentam muitas diferenças. Discursos de ódio são impensáveis,numa campanha que se caracterizou por uma convivência política civilizada.

O principal rival do candidato da Frente Ampla é Álvaro Delgado,até pouco atrás tempo secretário da Presidência e braço-direito de Lacalle Pou. Aos 55 anos,Delgado tentou surfar na onda de popularidade do chefe de Estado,que,segundo pesquisas recentes,tem entre 47% e 50% de aprovação. Mas a imagem positiva de Lacalle Pou não se materializou em mais votos para o candidato do Partido Nacional,uma das legendas da coalizão governista. A expectativa do presidente é que Delgado chegue a um eventual segundo turno e,com o apoio dos demais quatro partidos,impeça o triunfo da esquerda .

O candidato Álvaro Delgado e o atual presidente Luis Lacalle Pou deixam restaurante em Montevidéu — Foto: Pablo PORCIUNCULA/AFP

A última pesquisa divulgada pela empresa de consultoria Factum,uma das mais importantes do país,confirmou a liderança de Orsi,com 45,5% das intenções de voto,superando amplamente Delgado,que aparece em segundo lugar,com 25,1%. Em terceiro,aparentemente sem chances de conquistar uma vaga no segundo turno,está Andrés Ojeda,do Partido Colorado,também integrante da coalizão governista,com 15%. Aos 40 anos,Ojeda foi a surpresa da campanha com um discurso mais descontraído,profundamente liberal e a ousadia de elogiar o presidente argentino,Javier Milei,de quem Lacalle Pou tenta manter distância.

— A FA será a mais votada no primeiro turno e tem chances de vencer no segundo. Se conseguir uma maioria parlamentar,a vitória final será mais fácil — afirma a analista Mariana Pomies,da empresa de consultoria Cifra.

Seu colega Eduardo Botinelli,da Factum,concorda:

— Orsi é favorito,e a imagem de Mujica teve muito peso na campanha. Lacalle Pou fez um bom governo,mas foi muito personalista,o que foi um problema para Delgado.

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Diferentemente da Argentina de Milei,a direita uruguaia defende políticas de auxílio social,hoje uma das principais bandeiras de Lacalle Pou. Nesse aspecto,as campanhas de Orsi e Delgado têm semelhanças. As poucas diferenças surgem,por exemplo,em temas como a cobrança de impostos,com a esquerda prometendo uma redução tributária que a centro-direita considera inviável. Outra divergência é o sistema de Previdência,modificado por Lacalle Pou — que aumentou de 60 para 65 anos a idade mínima para se aposentar — e que a esquerda promete rever.

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Além da eleição presidencial e parlamentar,também será realizado um referendo proposto por setores mais radicais da esquerda — não respaldado por Orsi — e alguns sindicatos. A proposta prevê mudanças drásticas,que até dirigentes da esquerda consideram perigosas em matéria fiscal.

— O Uruguai viveu um processo de convergência para o centro e,hoje,até mesmo a direita defende as políticas de auxílio social. Aqui seria impossível um fenômeno como Milei — frisa Botinelli.

Escândalos de corrupção

O analista diz que o favoritismo de Orsi se explica pelo apoio de Mujica,mas também por sua preocupação com os setores mais vulneráveis — um dos lemas da campanha é “governar para todos”. Em setores expressivos da sociedade,há a sensação de que com a Frente Ampla se vivia melhor.

— Orsi bate muito na tecla da desigualdade e na defesa do diálogo,algo muito importante no nosso país. Já Delgado fala em continuidade,em manter o que ele considera como um bom governo — diz.

O escolhido por Mujica para ser seu sucessor é um professor de História,que foi duas vezes prefeito da cidade de Canelones,a segunda mais importante do país. Integrante da classe média uruguaia,Orsi não tem um passado na luta armada,como Mujica,e milita na Frente Ampla desde o retorno da democracia,em 1985.

Outro de seus lemas de campanha é “um governo honesto”. Alguns escândalos de corrupção que sacudiram o governo de Lacalle Pou estão tendo um custo para Delgado. Em 2019,a própria Frente Ampla sofreu o impacto negativo de irregularidades envolvendo figuras importantes da coalizão.