Viúva de motorista morto há 4 anos na Cidade Alta se solidariza com famílias das vítimas da Avenida Brasil: 'o que nos mantém vivos é lutar por justiça'

Claudio José,Iranilde e seus filhos: o motorista foi morto em 2020 por uma bala perdida — Foto: Arquivo Pessoal

Na manhã desta quinta-feira,Iranilde Benta se chocou ao ligar a televisão e ver que outras famílias enfrentariam o sentimento de dor e revolta de ter um ente vítima da violência do Rio. Há 4 anos,ela recebeu a notícia que seu marido Cláudio José Costa Ferreira havia sido baleado nas proximidades da favela Cidade Alta,em Cordovil,Zona Norte do Rio,em uma situação parecida com a ocorrida anteontem na mesma comunidade. Ele era motorista da linha Caxias x Pilares e passava pela rua Bulhões Marcial,próximo à Avenida Brasil,quando uma bala perdida atingiu seu braço enquanto ocorria uma operação da Polícia Militar. Ele foi socorrido,mas não resistiu aos ferimentos.

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— Recebi um vídeo de um senhor morto sentando no ônibus (era Renato Oliveira Alves Reis,baleado na cabeça enquanto cochilava indo ao trabalho). Voltei a um tempo que não queria voltar. Quando vi,pensei: “mais uma família vai passar por isso”. E vai ficar igual à gente: com o sentimento de impunidade — conta Iranilde,emocionada de lembrar do marido.

Além de Renato Oliveira,Paulo Roberto de Souza e Geneílson Eustáquio Ribeiro,são outros dois inocentes assassinados na Avenida Brasil durante o confronto entre policiais e traficantes do Terceiro Comando Puro (TCP). Segundo a Polícia Militar,os criminosos atiraram em direção a via expressa quando os agentes se aproximaram de um dos esconderijos de Álvaro Malaquias Santa Rosa,o Peixão. Angustiada em ver outras famílias passando pela mesma situação,Iranilde confidencia o que falaria se encontrassem com parentes de Renato,Paulo e Geneílson.

— Eles têm que ser fortes,se apoiando naquilo que acreditam. O que nos mantém vivos é lutar por aquilo que a gente acredita: que a justiça será feita um dia — conta.

Medo da violência

Iranilde lembra que em 2020 o Rio enfrentava o primeiro pico da pandemia da Covid-19. Cláudio José exercia uma das profissões essenciais e o medo de contrair o vírus estava presente diariamente na família. No entanto,havia 2 semanas que a violência na região da Cidade Alta também era tema de desabafo do motorista com a esposa.

— Ele falava que a situação na região estava ruim,com trocas de tiros. Olhando agora,parecia que ele sabia que a qualquer momento poderia acontecer algo — lembra Iranilde,que teve que aprender com os filhos a lidar com o luto:

— Eu me sentia mal,como mãe,de demonstrar a eles que estava sofrendo. Tinha medo de me verem como fraca e meu refúgio era chorar na hora do banho. Depois descobri que eles faziam o mesmo. Fizemos terapia e hoje lidamos melhor — explica ela.

Luta por direitos

Apesar do assassinato do motorista Cláudio José Costa ter completado 4 anos em junho,a Polícia Civil ainda não encerrou a investigação que apura de onde partiu os tiros. A investigação está em andamento na Delegacia de Homicídios da Capital (DHC) e é acompanhada pelo Ministério Público: "À época do crime,foram feitos exames periciais,porém não foi encontrado projétil de arma de fogo ou componente de munição para realização de exame de confronto balístico",diz a Polícia Civil.

Na última semana,Irinelde e seus dois filhos ingressaram com uma ação cobrando uma indenização por danos morais do governo do Rio pela morte. Recentemente o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que é dever do Estado indenizar as famílias vítimas de bala perdida durante operações policiais e quando não há comprovação da origem do disparo.

O advogado da família Wesley Cabral compara as duas ocorrências:

— Se a Polícia Militar tivesse tomado todas as medidas necessárias,desviado o trânsito há 4 anos,por exemplo,Cláudio José não teria morrido. A situação dessa semana foi igual — diz o advogado.

Desde a morte de Cláudio,Iranilde teve que se desdobrar para conseguir manter a casa. Era o salário do motorista mais os bicos da esposa como diarista que sustentavam a família,que mora em Belford Roxo,na Baixada Fluminense. O trabalho dela deixou de ser um extra para ser a principal fonte de renda. Ela reclama que não teve apoio do governo estadual.

— Nessa época foi um pouco desesperador. Era ele o provedor da casa e me vi com uma criança e adolescente em casa em meio a pandemia.