Dependência emocional de atividades físicas: entenda como um hábito saudável pode se tornar uma prática nociva

A dependência ocorre principalmente pela liberação das endorfinas. — Foto: Freepik

RESUMO

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GERADO EM: 22/09/2024 - 04:30

"Riscos da Dependência em Atividades Físicas"

A dependência emocional por atividades físicas pode surgir de benefícios como a liberação de hormônios,tornando-se prejudicial. O vício,similar ao por substâncias,traz riscos à saúde mental e física. Sinais incluem treinos compulsivos e interferência nas relações sociais. Tratamentos envolvem psicoterapia e equilíbrio na prática,alertando para diversificar as atividades.

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As atividades físicas geram inúmeros benefícios aos praticantes. Constantemente,exercícios e esportes são incluídos em tratamentos de pessoas com transtornos mentais e outros problemas de saúde. No entanto,a liberação de hormônios como a endorfina,associada à sensação de recompensa e bem-estar,e a serotonina,que proporciona felicidade,pode se tornar viciante.

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A longo prazo,alguns desenvolvem uma espécie de dependência emocional pela prática,seja por razões estéticas ou pelos efeitos positivos para a saúde. Inicialmente empolgante,o movimento se transforma em um hábito prejudicial ao corpo e à mente.

Assim foi a rotina extenuante da servidora pública Cíntia Oliveira,34 anos. Como recomendação médica por estar acima do peso,a mineira começou a fazer atividades físicas em 2011. Sete anos depois,conheceu a modalidade competitiva CrossFit,que passou a acompanhá-la diariamente. Aos poucos,a intensidade dos esportes aumentou.

— Por mais que me exercitasse e tivesse um corpo dentro dos padrões,não conseguia me olhar no espelho e destacar as qualidades. Estava sempre insuficiente. Esse desvio de imagem me forçava a praticar muitas atividades físicas por dia. Tinha dias que eu fazia musculação,natação e Crossfit. Praticamente,uma carga de quatro horas e meia.

A belo-horizontina desabafa que a pressão estética a levou a cultivar hábitos não-saudáveis e restritivos. Tudo isso em função de um corpo “já muito magro”. Cíntia não tinha mais disposição para aproveitar o tempo com as pessoas próximas,o que começou a afetar sua vida conjugal.

— Só descansava quando não conseguia mais andar. Quando o cansaço físico era maior do que o mental — relembra.

Antes e depois da servidora pública Cíntia Oliveira encontrar o equilíbrio para as práticas esportivas — Foto: Acervo pessoal

Hoje,a servidora avalia que a relação com a atividade física é “mais madura e equilibrada”.

"Vício"

O presidente da Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte (SBMEE),Fernando Torres,reforça que a dependência ocorre principalmente pela liberação das endorfinas. O profissional entende que o praticante deseja cada vez mais essa sensação e,gradativamente,aumenta a carga de exercícios para conseguir o "mesmo efeito". É um movimento similar ao vício por substâncias.

Geralmente,a dependência de exercícios está relacionada à vigorexia,cujo nome científico é transtorno dismórfico muscular. A condição faz com que os pacientes se enxerguem fracos e sem músculos quando,na verdade,são fortes e musculosos. Por verem imagens distorcidas no espelho,os portadores passam horas praticando atividades físicas. Os sintomas começam afetando a saúde mental,mas,aos poucos,causam cansaço,insônia e dores musculares.

Torres esclarece as diferenças entre a vigorexia e o vício em atividades físicas.

— Na vigorexia,a pessoa superestima defeitos estéticos. Já na dependência do exercício,ela se exercita de maneira compulsiva,especialmente pelo prazer que a atividade proporciona. Há sintomas de abstinência,perda de controle sobre a intensidade,frequência e duração das sessões de exercício.

Segundo o médico,embora sejam quadros diferentes,viciados em exercício apresentam maior risco de vigorexia e vice-versa. Ele salienta que ambas as condições,a partir de treinos exagerados,“levam o organismo a ultrapassar seus limites,ao originar desgastes e sobrecargas excessivas em vários sistemas do organismo,incluindo lesões”.

Como identificar

Mas Torres lembra que qualquer pessoa pode desenvolver a dependência. Alguns sinais indicativos são: necessidade compulsiva de se exercitar mesmo estando cansado,doente ou lesionado; sentimento de sofrimento,culpa ou raiva ao deixar de fazê-lo; interferência na vida social ou profissional; lesões que se tornam frequentes devido à negligência do descanso.

— Socialmente,a pessoa prioriza os treinos em detrimento das responsabilidades diárias,seja nos estudos,na carreira profissional,na família ou nas amizades. A insatisfação crônica com a imagem corporal pode vir acompanhada de ansiedade,angústia e até episódios depressivos — alerta.

O psicólogo esportivo Mateus Vasconcelos avalia que,além de aspectos físicos como fadiga crônica e problemas articulares,ósseos e musculares,a compulsão pode gerar irritabilidade e humor depressivo. A longo prazo,a pessoa pode apresentar sintomas de abstinência sempre que parar de se exercitar.

A educadora Débora Pereira,51 anos,fez dos exercícios físicos um escape para o sofrimento. Aos 35 anos,após um divórcio conturbado e um diagnóstico de depressão,ela passou a descontar as frustrações na academia. Influenciada pela cultura fitness,a moradora de São Gonçalo,na Região Metropolitana do Rio de Janeiro,adentrou ao mundo das competições fisiculturistas.

Antes e depois da rotina de exercícios físicos que mudou a vida fisiculturista Débora Pereira — Foto: Acervo pessoal

— Na atividade física,está minha válvula de escape,meu lazer,minha rotina,minha cachaça e meu hobby. Não consigo me imaginar sem. Monto os horários dos compromissos de acordo com meu horário de treino.

Débora admite ficar "extremamente estressada e ansiosa" ao deixar de treinar por compromissos ou indisposição física por achar que "faltou algo" em seu dia. Ela disse se sentir incompleta sem a prática cotidiana.

Aos 46 anos,a educadora Débora Pereira começou a participar de competições de fisiculturismo — Foto: Reprodução/instagram

Vasconcelos reflete sobre o que pode levar uma pessoa a desenvolver a condição.

— A pessoa perde o controle sobre o vício. Há fatores fisiológicos,como o bem-estar. Pela parte psicológica,pode gerar um retorno positivo (elogios) por uma “melhor aparência física” e por controle emocional. Também há uma pressão social e cultural por um corpo perfeito e por um hábito idealizado.

O profissional pondera que a dependência de atividades físicas não é contemplada como transtorno por si só. Porém aparece como sinal e critério diagnóstico para outras condições,como anorexia,bulimia e transtorno obsessivo-compulsivo (TOC).

Para o tratamento da condição,Vasconcelos recomenda a psicoterapia,especialmente a terapia cognitivo-comportamental. Ele também frisa a importância da presença de médicos,como nutrólogos e psiquiatras,e de professores de educação física,que possam reorientar o indivíduo na relação com a atividade física.

Uma vida saudável em movimento exige equilíbrio.

— Sempre que o desconforto estiver demais,é um ponto de atenção. Mas,se o conforto estiver em excesso,é um convite a dar um passo adiante no desenvolvimento. É um bom termômetro para prevenir uma compulsão e,ao mesmo tempo,evitar uma rotina sedentária — conclui Vasconcelos.

Outra dica é diversificar. Desde a natação a um passeio com seu animal de estimação,são diferentes fontes de cuidado com a saúde. O psicólogo esportivo descreve que a diversidade de movimentos é uma das estratégias para prevenir a compulsão.

— Foque na saúde e não apenas na performance — alerta.

*Estagiária sob supervisão de Constança Tatsch