Jeff Kinney: 290 milhões de exemplares vendido no mundo todo — Foto: Agência O GLOBO
RESUMO
Sem tempo? Ferramenta de IA resume para vocêGERADO EM: 14/09/2024 - 03:30
Jeff Kinney,autor de "Diário de um Banana",critica censura e fala sobre literatura infantil na Bienal do Livro de SP.
O autor de "Diário de um Banana",Jeff Kinney,fã de Xuxa,participa da Bienal do Livro de São Paulo e critica censura nos EUA. Kinney pondera sobre alterações nas obras,o crescimento do público brasileiro e a importância do humor na literatura infantil,enquanto enfrenta pressões conservadoras e debate sobre revisões em livros para crianças.O Irineu é a iniciativa do GLOBO para oferecer aplicações de inteligência artificial aos leitores. Toda a produção de conteúdo com o uso do Irineu é supervisionada por jornalistas.
LEIA AQUI
No início dos anos 1990,quando ainda estava na faculdade,o escritor americano Jeff Kinney tinha horários malucos,passava a noite toda acordado e só ia dormir de manhã,depois de assistir a um programa que acabara de estrear na TV americana: “Xuxa”.
Rock in Rio 2024: acompanhe ao vivo a programação completa do festivalMaior e mais plural:Bienal do Livro de SP aposta em tendências literárias em expansão para ampliar público
— O programa era hilário! Tinha aquelas moças de chapéu que dançavam junto com a Xuxa e ajudavam a controlar aquela multidão de crianças. Era diferente de tudo o que eu já tinha visto. E eu adorava as músicas — conta o americano,que conversou com o GLOBO por chamada de vídeo. — Na primeira vez que fui ao Brasil,prometeram que eu ia conhecer a Xuxa. Toda vez que mencionavam essa possibilidade,todo mundo começava a cantar “Ilariê” no carro! Fui convidado para a festa de 50 anos dela!
Fora da 'caixinha sáfica': Na Bienal de SP,autoras lésbicas e bissexuais falam sobre temas que vão além da sexualidade
Não é de estranhar que Xuxa tenha chamado atenção de Kinney. Se algum escritor merece o título de “Rei dos Baixinhos”,é ele. O americano é autor da série infantojuvenil “Diário de um banana”,que já foi traduzida para mais de 60 idiomas,vendeu mais de 290 milhões de exemplares no mundo todo e rendeu sete filmes (incluindo três animações). Só no Brasil,onde é publicada pela VR Editora,foram mais de 12 milhões de cópias vendidas.
O 'boom' que não é brincadeira: 'Literatura para as infâncias' cresce,busca mais diversidade e ganha novos selos
Os livros acompanharam as desventuras de Greg Heffley,um menino de 11 anos com uma postura tão ruim que realmente lembra a curvatura de uma banana. O 19º volume da série,“Baita lambança”,sai mês que vem nos EUA e em novembro no Brasil. Kinney topa dar um spoiler: Greg vai viajar com a mãe e as tias. Neste sábado,às 12h15,ele participa da 27ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo.
— Sempre me perguntam se as crianças são iguais no mundo todo. O Brasil é um dos poucos lugares onde elas são diferentes. As crianças brasileiras são excepcionalmente calorosas,receptivas e amorosas — diz o best-seller,que também é dono de uma livraria independente fundada em 2015 que “ainda não deu lucro”.
Literatura e masculinidades: Como a ficção reflete sobre o que é ser homem?
A maioria dos leitores de “O diário de um banana” tem entre 8 e 12 anos. No entanto,quando começou a rascunhar as histórias de Greg,mais de duas décadas atrás,Kinney pensava em escrever tirinhas para adultos. Não à toa,o protagonista está longe de ser um modelo de conduta para os pequenos: disposto a tudo para se tornar popular na escola,ele mente,maltrata seu melhor amigo,é viciado em videogame e em comer porcaria. Hoje,Kinney escreve com a consciência de que é lido pelos baixinhos,mas sem a intenção de fazer um humor “infantil”.
— Se eu penso “isso não vai funcionar para os adultos,mas talvez uma criança ache graça”,estou no caminho errado. O segredo é escrever para adultos e torcer para as crianças entenderem — explica. — A literatura infantil já está cheia heróis,como Harry Potter. Esses bons exemplos são necessários,mas eu faço humor,e personagens certinhos são chatos. Para ser engraçado,o personagem precisa ter falhas,ser um espelho onde o leitor se veja e ria porque se identifica.
Ilustração da série infantojuvenil "Diário de um banana",de Jeff Kinney — Foto: Reprodução
Revisionismo
Kinney sabe que algumas das histórias de Greg talvez não envelheçam bem. Por isso,ele não descarta a possibilidade de mexer em trechos que podem ter se tornado ofensivos. Esse é um assunto espinhoso na literatura para crianças. No ano passado,o espólio do escritor britânico Roald Dahl,autor de “Maltilda” e “A fantástica fábrica de chocolates”,anunciou que passagens hoje consideradas racistas,sexistas,capacitistas ou gordofóbicas seriam alteradas. À época,até o então primeiro-ministro britânico Rishi Sunak reclamou: “É importante que obras literárias e de ficção sejam preservadas e não retocadas”. No Brasil,os livros de Dahl são publicados pela Record já com as mudanças.
— Os editores de Dahl agiram de boa-fé. Sou simpático à ideia. Como humorista,tento ir até determinada linha,mas nunca ultrapassá-la. O problema é que a linha fica mudando de lugar — diz Kinney. — Comecei a escrever “Diário de um banana” com 28 anos e hoje tenho 53. Há piadas que eu não contaria do mesmo jeito.
'Chupim': Itamar Vieira Junior estreia na literatura infantil com história ambientada em cenário de 'Torto arado'
Kinney conta que vira e mexe seus livros aparecem em listas de obras a serem excluídas de bibliotecas escolares por pressão conservadora. O banimento de livros (sobretudo infantojuvenis) vem crescendo nos EUA. Em 2018,o estado do Texas cogitou censurar “Diário de um banana” devido à moral duvidosa de Greg. Segundo a Associação Americana de Bibliotecas,4.240 títulos entraram na mira dos censores em 2023,65% a mais que o ano anterior.
— Os EUA estão flertando com o fascismo. Os mais afetados são autores negros — protesta Kinney,que engrossou a campanha contra o banimento de livros e doou milhares de dólares para bibliotecas garantirem diversidade nas prateleiras.
Em sua última visita à América Latina,no ano passado,o autor passou por Peru,Colômbia e México e,pela primeira vez,se deu conta de que seu público havia crescido: nas filas de autógrafos,crianças dividiam espaço com jovens beirando os 20 anos que ainda eram fãs da série.
— Ver que os meus livros já atingem mais de uma geração me enche de propósito.