Mpox é uma nova IST? Especialistas explicam e alertam que doença ‘veio para ficar’

Mpox. — Foto: Ernesto BENAVIDES / AFP

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GERADO EM: 11/09/2024 - 04:30

"Mpox: Nova IST preocupa especialistas"

Especialistas alertam que a mpox,nova IST,veio para ficar. Transmitida pelo contato pele com pele,a doença causa lesões características. A disseminação crescente preocupa e exige atenção dos profissionais de saúde. Prevenção e identificação precoce são essenciais,pois a mpox pode se tornar um grave problema de saúde pública.

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Em agosto,a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou novamente emergência de saúde pública internacional devido ao avanço de uma nova cepa da mpox no continente africano. No entanto,a versão que se disseminou globalmente em 2022 não deixou de circular e provocar novos casos pelo planeta. Para especialistas,a doença “veio para ficar” e é possível considerá-la como uma nova infecção sexualmente transmissível (IST).

— Podemos falar como um novo ator no universo das ISTs. Essas infecções são classificadas de três formas: exclusivamente,geralmente ou ocasionalmente transmitidas pelo contato sexual. A mpox não é exclusivamente uma IST,mas tem uma uma disseminação frequentemente relacionada ao sexo. Uma micose de virilha,por exemplo,que não é normalmente considerada uma IST,pode ser transmitida numa relação sexual — explica John Veasey,professor da Faculdade da Santa Casa de São Paulo.

Veasey falou sobre o tema durante uma aula no 77º Congresso da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD). Ele,no entanto,destaca que é importante fazer a distinção de não ser exclusivamente uma IST:

— A preocupação de colocar esse carimbo é que,se aparecer uma criança ou alguém que não é sexualmente ativo com as lesões,vão surgir alarmes sobre abuso sexual. Mas é uma doença que se transmite pelo contato direto pele com pele,então muitos pacientes vão ter mpox sem relações sexuais.

Omar Lupi,vice-presidente do Colégio Ibero Latino Americano de Dermatologia e membro da Academia Nacional de Medicina,também vê o cenário dessa forma. Para ele,assim como ocorreu com a Covid-19,a disseminação da mpox pelo mundo não foi um episódio isolado,e a doença vai fazer parte do dia a dia de brasileiros:

— A mpox não vai embora,é uma doença que veio para ficar,vamos ter cada vez mais casos. Mas como é transmitida por contato pele por pele,não é pelo aerossol,como a Covid-19,você depende dessas janelas de oportunidade para o contágio. Nós vimos um incremento significativo de casos neste ano após o carnaval,que era algo esperado. Eu mesmo acompanhei pacientes nos hospitais em que eu trabalho.

Para ele,que é ex-presidente da SBD,isso também significa que a doença vai se disseminar além de grupos que eram considerados de maior risco em 2022:

— Vemos na prática uma frequência muito alta de mpox por homens que fazem sexo com homens. No surto de 2022,eles foram a plena maioria,mais de 90% dos casos. Mas com a tendência de disseminação da doença,a expectativa é que vá se perdendo essa característica. Conforme a mpox circula,você começa a ter casos em que não se rastreia esse comportamento marcado. Acredito que a tendência é começarmos a ver casos mais gerais,como vemos na África hoje.

Ele destaca que,nesse contexto,os médicos precisam estar informados sobre os sinais de alerta,em especial os clínicos e dermatologistas: — Quando alguém tem uma ferida na pele,ela não procura diretamente um infectologista,ela busca um clínico,um dermatologista. Então esses profissionais precisam saber identificar a doença.

Segundo os especialistas,após a exposição ao vírus da mpox há um período de incubação de em média duas semanas para que a doença comece a se manifestar. No início,os sintomas são típicos de uma infecção viral,como febre,dores no corpo e mal-estar. Outro sinal característico são o aumento dos linfonodos. Em seguida,começam as lesões,que duram até quatro semanas até a resolução. Veasey explica como diferenciar as lesões de outras doenças que afetam a pele,como a catapora:

— Não só na população leiga,mas também entre médicos que não são da dermatologia,há muito essa dúvida. Basicamente,o que indica mpox é a evolução das lesões. Ela vai de uma pápula,que é uma bolinha dura,passa para uma vesícula,que quando você estoura ela não é mais dura,tem um líquido dentro,e depois para uma placa e para presença de crosta. Muitas vezes,confunde-se com catapora. Uma diferença é que,na mpox,as lesões são mais infiltradas e exuberantes. Mas as duas são bem parecidas.

Em relação à prevenção,ele esclarece que o mais importante é evitar o contato pele com pele direto,ou indireto por meio do compartilhamento de toalhas,vaso sanitário,de roupas. — É importante destacar que em outras doenças dermatológicas,falamos que quando se forma casquinha,ela deixa de transmitir. Mas com a mpox não,precisa esperar a pele estar totalmente cicatrizada — alerta.

Sobre a via sexual,ele explica que os preservativos são muito importantes,porém evitam o contágio apenas se as lesões estiverem na área do pênis,que está protegida. Se houver feridas em áreas como virilha,púbis,saco escrotal,a pessoa ainda poderá ser contaminada.

Em relação à vacinação – que hoje é restrita a grupos de maior riscos,como indivíduos que vivem com HIV e contagem baixa de células de defesa CD4 – Lupi explica por que não existe a perspectiva de uma campanha em massa para erradicar a mpox,como ocorreu em 1980 com a varíola tradicional:

— A varíola tinha o ser humano como o único reservatório. Já a mpox foi descrita em roedores,cães,o que abre perspectiva para uma endemia,uma doença acontecendo o tempo todo,com vários vetores,que na prática torna uma vacinação com o objetivo de erradicação muito difícil.

Para ele,o cenário atual também dá indícios de que a mpox pode evoluir no futuro próximo como um problema de saúde pública maior,o que deveria preocupar as autoridades de saúde:

— Minha sensação é que estamos sentados numa bomba-relógio. Estamos tendo agora uma rodada nova de mpox pela cepa mais agressiva,que tem uma letalidade muito alta. Acredito que a mpox ainda vai trazer muitos dissabores no futuro,estamos vendo apenas o início. É um vírus que deveria ter todas as luzes vermelhas em relação a ele.

* O repórter viajou a convite do 77º Congresso Brasileiro da Sociedade Brasileira de Dermatologia.