Viradouro é a escola com mais mulheres disputando samba-enredo esse ano. Na foto,a presidente da ala de compositores,Greide Moreno,com as compositoras da escola. — Foto: Beatriz Orle/O Globo
RESUMO
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Disputa de Samba-Enredo no Rio: Avanços e Desafios Femininos
A composição de samba-enredo no Rio de Janeiro conta com quase 90 mulheres na disputa,incluindo Anitta e Jojo Todynho. Mulheres ganham espaço,mas ainda enfrentam desafios,como liderar parcerias mistas. Aumento da participação feminina é celebrado,porém,a presença masculina ainda é dominante. Avanço é destacado,mas obstáculos persistem,como critérios para liderança. Além disso,destaca-se a presença histórica de mulheres no samba-enredo,com relatos até a década de 1950.O Irineu é a iniciativa do GLOBO para oferecer aplicações de inteligência artificial aos leitores. Toda a produção de conteúdo com o uso do Irineu é supervisionada por jornalistas.
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Aos poucos,as mulheres começam a vencer o preconceito e ganhar espaço num terreno dominado pelos homens no carnaval: a composição de samba-enredo. Mais de cinco décadas após desbravadoras como Dona Ivone Lara e Leci Brandão terem aberto o caminho,agora elas começam a fazer número. Este ano cerca de 90 compositoras entraram na disputa. Só na Viradouro são 37,contra as 26 de 2023. Entre as concorrentes nas diversas agremiações,os nomes mais conhecidos são os das cantoras Anitta,cujo samba é um dos favoritos na Unidos da Tijuca,e Jojo Todynho,que concorre na Mocidade Independente de Padre Miguel.
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— Isso é fruto de um movimento que já acontece dentro das escolas e nas rodas de samba também,com as mulheres cada vez mais mostrando a cara e fazendo isso de forma coletiva. Já são muitas rodas comandadas por elas e alguns movimentos de mulheres sambistas. Isso se reflete no samba-enredo. É fruto de muita gente que veio antes — avalia Manu da Cuíca.
Colhendo frutos. Manu da Cuíca tem duas vitória em disputas na Mangueira — Foto: Reprodução
A compositora,uma das figuras femininas mais presentes e de maior destaque nas disputas desde 2017,é bicampeã na Mangueira. Na verde e rosa,integrou as parcerias vencedoras de 2019 e de 2020. Este ano se inscreveu em duas escolas: Imperatriz Leopoldinense e Portela. Depois da Viradouro,a azul e branca de Madureira,com 14 compositoras concorrendo,divide a segunda posição com o Salgueiro.
Mulheres compositoras do Salgueiro — Foto: Guito Moreno
Em 2021,na busca por mais espaço feminino,Argentina Caetano,que vinha de uma experiência em blocos,resolveu montar uma parceria só com mulheres para concorrer na Viradouro. Surpreendido pela pandemia,que suspendeu o desfile daquele ano,o grupo batizado de As Divas e composto inicialmente por seis mulheres acabou entrando na disputa do ano seguinte. Argentina segue hoje,na mesma escola,mas encabeçando uma parceria mista,com cinco mulheres e cinco homens.
— A gente entrou numa área muito masculina. Este ano chamou a atenção por ter um número mais expressivo,mas há muito tempo as mulheres vêm tentando abrir esse caminho — diz a compositora.
Na Beija-Flor,só homens
Embora possa parecer expressivo,principalmente em relação aos anos anteriores,o número de mulheres ainda é pequeno se comparado ao de homens. A Beija-Flor de Nilópolis,por exemplo — que só registrou parcerias masculinas —,tem cerca de 70 compositores assinando os 12 sambas classificados. Na própria Viradouro são 240 compositores inscritos,e 203 são homens. Mesmo assim,o avanço,embora ainda pequeno,é festejado pelas compositoras.
— Estamos fazendo valer o que fizeram lá atrás mulheres como Dona Ivone Lara — aponta Greide Moreno,da Viradouro,uma das únicas mulheres a presidir uma ala de compositores no Grupo Especial.
Na vermelho e branco de Niterói,Greide comanda um grupo de 92 compositores,sendo 53 homens e 39 mulheres. Além da Viradouro,na elite do carnaval carioca apenas o Salgueiro tem ala de compositores presidida por uma mulher: no caso,Nilda Salgueiro Batista Ferreira,a Tia Nilda,bisneta de Domingos Alves Salgueiro,o comerciante português cujo sobrenome batiza a comunidade onde a escola nasceu.
— Há 13 anos como presidente,este é o ano em que mais mulheres entraram na disputa — confirma Nilda.
Mesmo com o aumento da participação feminina,as mulheres reclamam que ainda precisam vencer alguns obstáculos. Um deles é a dificuldade de encabeçar parcerias mistas,onde o nome principal geralmente é de um homem. É que um dos critérios para assumir a liderança é ser uma figura de destaque,seja na escola ou não,regra que normalmente só favorece a mulher quando ela é famosa.
Em vez de funk,samba
Na Unidos da Tijuca,por exemplo,Anitta encabeça a parceria em que ela é a única mulher. Os outros cinco compositores são Feyjão,Estevão Ciavatta,Miguel PG,Fred Camacho e Diego Nicolau. Ao inscrever o samba,ela explicou nas suas redes sociais o que a motivou a participar da disputa: “Não é aleatoriamente. A Unidos da Tijuca vai falar sobre Logun-Edé,que é meu orixá. E me convidaram para fazer com meus parceiros maravilhosos,que são gênios. Eles me convidaram por saber que eu sou de Logun-Edé. E eu já estava colocando muito desse enredo no meu show,na minha turnê,porque eu amei o texto,o enredo todo,por ser meu orixá”,justificou.
Outro desafio das mulheres é chegar à final,já que atualmente vigora um modelo que privilegia o poderio econômico. Na Mocidade,isso só aconteceu em 2020,ainda assim com um samba que levava a assinatura de uma famosa,no caso,Sandra de Sá. O enredo daquele ano homenageava a cantora Elza Soares,que morreu em janeiro de 2022. Este ano,além de Jojo Todynho,a verde e branco tem apenas mais duas mulheres concorrendo: Márcia Carvalho e Marcinha Souza. As três seguem ainda na disputa,cuja próxima eliminatória acontece hoje.
Enquanto isso,na Série Ouro (antigo Grupo de Acesso),a Botafogo Samba Clube estreia na Sapucaí no próximo carnaval com uma parceria liderada por uma mulher: a jornalista Aline Bordalo.
— Venho do jornalismo esportivo,e acho que o samba é um ambiente menos preconceituoso. As mulheres demoraram a perceber esses braços abertos (para elas) e acho ótimo estarem se aventurando — observa Alice.
Até onde os registros históricos sobre a participação feminina no samba-enredo permitem alcançar,o pioneirismo coube a Carmelita Brasil,compositora da Unidos da Ponte,entre as décadas de 1950 e 1960.