Quando a pontualidade perde a hora

Trânsito no Rio de Janeiro — Foto: Pablo Jacob

RESUMO

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GERADO EM: 05/09/2024 - 04:31

"Pontualidade em meio ao caos: o debate de Antonio Fagundes"

Em um Rio de Janeiro com trânsito caótico,a pontualidade é desafiada. Antonio Fagundes defende a chegada no horário por respeito. Enquanto alguns atrasam com desculpas,a postura blasé ganha espaço. A ciência e teorias como as cordas de Michio Kaku são citadas para justificar atrasos. A pontualidade é vista como uma virtude solitária,enquanto atrasos são prerrogativas de poder.

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Uma pergunta foi recorrente na maratona de entrevistas por conta do lançamento da peça “Dois de nós”,que estreia nesta quinta (5) em São Paulo. Às vezes em tom de brincadeira,às vezes em tom sério,sempre vinha à tona a pontualidade que Antonio Fagundes,nosso ator e produtor,impõe ao público. Há algumas décadas fazendo teatro,a regra é clara: se o espectador atrasar um segundo do horário marcado,não entra. Fagundes defende a pontualidade com um argumento irrefutável: o respeito aos outros espectadores. Se todo mundo chegou na hora,por que o atrasado também não pode chegar?

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Pessoalmente,gosto da atitude. Sou do time dos que chegam um pouco antes da hora,independentemente de qual seja o compromisso marcado. Prefiro esperar a ser esperado. A angústia é de outra ordem e sempre é possível abrir um sorriso superior e cínico para o atrasado. Talvez esse hábito tenha surgido ainda na infância. Morava longe do colégio,era o primeiro a entrar no ônibus escolar às 5h30,antes de o Sol aparecer,rumo à aula que só começaria às 7h,do outro lado da cidade. Me acostumei a esperar.

Tenho uma amiga (não sei como,mas ainda é minha amiga) que só sai de casa no horário em que já era para estar no lugar marcado. Está sempre atrasada,claro. Aprendi seu modus operandi e minto o horário dos compromissos profissionais que temos juntos. Se é às 15h30,digo que é às 15h. Ela chega às 15h15. Resultado: se sente feliz pela “antecedência” — embora esteja 15 minutos atrasada.

Se até pouco tempo as pessoas ainda chegavam esbaforidas (“Desculpa,foi o trânsito!”),de uns tempos pra cá estão perdendo o pudor do atraso. Tem prevalecido uma postura meio blasé,quase como se dissessem: “Tá reclamando do quê? Eu tô aqui,não tô?!”

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Desconfio que isso tenha a ver com as muitas descobertas da ciência. Heloisa Perissé indicou e estou fascinado pelo livro “Hiperespaço”,do físico americano Michio Kaku,graduado em Harvard e doutor por Berkeley. O cientista destrincha a teoria das cordas,explora os universos paralelos e o empenamento dos tempos (!) a ponto de fazer acreditar que é possível estarmos em muitos lugares ao mesmo tempo. Ou seja,em alguma dimensão cósmica o atrasado está pontual.

Na entrevista do Fagundes e da Christiane Torloni no “Conversa com Bial”,o ator citou Roland Barthes: “Fazer esperar é uma prerrogativa de poder.” Ou seja: atrasa quem pode,espera quem tem juízo. Quem nunca tomou um chá de cadeira esperando um “encaixe de última hora” na antessala de um consultório médico? Bial,sempre espirituoso,arrematou com a máxima: “A pontualidade é uma virtude sem testemunhas.” Touché.

Por toda a minha relação paranoica com pontualidade é que foi bastante angustiante,há poucas semanas,levar duas horas e meia da Zona Sul a Curicica,em um Rio de Janeiro que se locomove cada vez mais devagar. Fui obrigado a deixar meu interlocutor esperando 20 minutos para uma reunião de trabalho. Desculpa,Villa,foi o trânsito.