A despedida de um tempo antigo

Silvio Santos no cenário da 'Porta da esperança' — Foto: João Batista da Silva

RESUMO

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GERADO EM: 22/08/2024 - 04:31

Despedida de ícones da cultura brasileira e o desafio da transição

A despedida de ícones como Silvio Santos,Jô Soares,e artistas como Rita Lee e Gal Costa,evoca saudosismo e melancolia. A partida dessas figuras fundamentais da cultura brasileira ressalta o fim de uma era,gerando uma sensação de perda e reflexão sobre a memória coletiva nacional. Com o aumento dessas despedidas,o país confronta a inevitável transição para uma realidade sem essas referências que moldaram gerações.

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A imperdível serie documental “Um beijo do gordo”,dedicada ao genial Jô Soares,consegue um feito: assiste-se aos quatro episódios com um sorriso no rosto. Provocar quatro horas seguidas de alegria sincera,nos tempos de hoje,não é pouca coisa. Mas para quem tem mais de 40 anos,roda em que me incluo por falta de opção,o programa também desperta um sentimento inevitável: um misto de saudosismo e melancolia ao relembrar o desaparecimento de um artista cuja vida pública atravessou seis décadas. Difícil encontrar um brasileiro que nunca tenha se divertido com o humor fino do Jô,seja na fase dos programas de entrevista,seja,mais antigamente,nos de humor. A série do Globoplay me valeu uma dentada numa madeleine proustiana valiosa: as noites de segunda ao lado do meu pai,diante da TV,às gargalhadas,assistindo a Vovô Naná,o Reizinho ou Bô Francineide.

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A morte de Silvio Santos reafirma a impressão de que o mundo tal como o conhecemos,no qual crescemos e aprendemos a viver,está indo embora. À parte os apoios políticos equivocados e a briga covarde com Zé Celso e o Teatro Oficina,Silvio Santos está umbilicalmente ligado às memórias de infância de gerações,com aquela música-tema do apresentador da TVS (segura essa,botox) ecoando em algum cômodo da casa. Na mesma semana,foi-se embora Delfim Neto — goste-se ou não dele (e não faltam razões para não gostar),é inegável que se tratava de uma referência na área econômica,a ponto de todos os presidentes,de esquerda ou direita,pedirem sua bênção.

O sinal amarelo dessa espécie de dominó da despedida já havia sido dado. As mortes seguidas de Gal Costa e Rita Lee plantaram o incômodo adeus a um tipo de pessoa: as próximas-distantes,aquelas que não conhecemos pessoalmente,mas que fazem parte das nossas vidas. Como assim nunca mais teremos as pérolas de Rita Lee? Como assim morreu Gal Costa? Em um momento em que a cantora estava fazendo um show atrás do outro,participando de festivais,idolatrada por mais uma nova geração. Soa até injusto. Rita Lee e Gal Costa não morrem! E no entanto,por mais que suas obras sejam eternas,somos obrigados,aos poucos,a irmos nos acostumando com as suas ausências.

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A previsão não é boa: cada vez com mais frequência teremos o sentimento indigesto de testemunhar a partida de pedras fundamentais da nossa História,pessoas que forjaram nossa identidade. Ao casting invejável formado por Jô,Silvio,Gal,Rita,Zé Celso,juntaram-se nos últimos anos Pelé,Hebe Camargo,Chico Anysio,Ruth de Souza e tantos outros,uma quantidade impressionante de pessoas fundamentais na história da vida brasileira desde a segunda metade do século XX,que estão na base da memória afetiva coletiva,criada na vida pré-internet.

No ano em tantas homenagens são rendidas a Ayrton Senna pelo trigésimo ano de sua morte,parece ficção científica que o país tenha parado naquele maio de 1994 para chorar uma unanimidade nacional. Um cenário cada vez mais improvável em um mundo marcado por haters e bolhas.