Oceano invade ilhas de Vanuatu devido às mudanças climáticas e contamina água potável: 'Os poços são salgados'; entenda

Ilha Mamasa,Vanuatu — Foto: Reprodução

RESUMO

Sem tempo? Ferramenta de IA resume para você

GERADO EM: 15/08/2024 - 04:30

Crise climática ameaça acesso à água em Vanuatu

A crise climática aumenta nível do mar em Vanuatu,contaminando água potável e forçando moradores a captar água da chuva. A intrusão de água salgada é agravada pelo bombeamento excessivo. A falta de acesso à água potável causa doenças e deslocamento de comunidades,levando o governo a realocar vilarejos costeiros. O acesso à água potável é um desafio crescente no arquipélago.

O Irineu é a iniciativa do GLOBO para oferecer aplicações de inteligência artificial aos leitores. Toda a produção de conteúdo com o uso do Irineu é supervisionada por jornalistas.

LEIA AQUI

Ainda em 2017,quando o diretor de pesquisa do Institute for Sustainable Futures da University of Techology Sydney Tim Foster visitou 150 fontes de água subterrânea em 11 ilhas do pequeno país no Pacífico,Vanuatu,ele descobriu que quase 10% delas apresentavam níveis de salinidade além do "que as pessoas aceitariam como fonte de água potável". Quase uma década depois,a expectativa é de que o cenário esteja pior — e tudo isso graças ao avanço da crise climática que,ao elevar o nível dos mares e intensificar os ventos ciclônicos que batem nas baías,empurra a água salgada cada vez mais para dentro dessas comunidades.

Ultrapassa 30ºC: Mar Mediterrâneo iguala próprio recorde de temperatura da águaCrise do clima: Arquipélago norueguês no Ártico bate 20,3ºC,recorde de temperatura para agosto

— No passado,os poços ficavam longe da água do mar — disse o pastor Damien Hophand,que mora na ilha de Malekula com suas esposa e dois filhos ao jornal The Guardian,acrescentando: — Agora,o mar está se movendo para mais perto de onde os poços estão. Os poços são salgados. Não é adequado para beber.

De acordo com a agência meteorológica da Organização das Nações Unidas (ONU),os níveis do mar no sudoeste do Oceano Pacífico estão subindo em um ritmo mais rápido do que em qualquer outro lugar do mundo,cerca de 4 mm por ano. Foster explicou ao jornal que a intrusão dessa água salgada (quando a água do mar avançam sobre a terra) é "uma ameaça iminente",que provavelmente se tornará um problema maior.

Na ilha Efate,para além da contaminação dos poços de água potável,a água salgada também afeta a vegetação da ilha,transbordando o rio e,consequentemente,inundando as estradas. Carros e bicicletas passam com atenção.

Outro culpado pela intrusão

Krishna Kumar Kotra,diretor e supervisor de um projeto sobre a qualidade das águas subterrâneas em Vanuatu,financiada pelo governo australiano,advertiu porém que nem todos os desequilíbrios são causados pelo aumento das marés. De acordo com Kotra,"o bombeamento excessivo de água subterrânea também é um contribuinte" para a intrusão da água salgada no arquipélago de 83 ilhas.

— [O bombeamento] exerce pressão abaixo do solo e puxa água salgada para aquíferos costeiros — explicou o pesquisador,destacando uma cadeia de eventos: — À medida que a população cresce,também aumentará a necessidade de tirar mais água do solo,aumentando a prevalência de intrusão de água salgada.

Estudo: Calor matou quase 50 mil pessoas na Europa em 2023

As usinas de dessalinização são bastante inacessíveis no país,e,para contornar situação,pouco mais de um terço das famílias recorre à água das chuvas para contornar o problema,informou o Vanuaty National Statistics Office,citado pelo Guardian. A água da chuva é canalizada,explicou o jornal,por meio de tubos de grandes tanques nos telhados.

A vendedora de supermercado Rita Vano tem uma caixa d'água pessoal. Ela conta que,dessa forma,é mais fácil administrar o consumo mas que,para quem não tem,a situação é mais complexa,especialmente em períodos de seca. São apenas sete caixas d´'agua para abastecer 200 pessoas. Assim,quando a caixa de água está vazia,as pessoas acabam recorrendo à água de poço,cuja águia está com gosto "salgado" e "azedo".

— Geralmente,os adultos fervem a água antes de beber,mas as crianças bebem diretamente do poço — contou Vano ao Guardian.

Há casos como as casas do vilarejo de Hophand,onde os telhados são de palha e a captação nem sempre funciona. Além disso,armazenar água da chuva também não é totalmente seguro: muitas vezes essa água está contaminada com a bactéria E. coli,segundo dados do Departamento de Recursos Hídricos,ou ela pode ser introduzida nos tanques pelas mãos das pessoas ao coletarem a água.

A gerente de qualidade de programa da ONG World Vision,Sofia Lardies,explicou ao Guardian que não é incomum que as pessoas faltem no trabalho ou na escola por conta de diarreia. Lardies explicou que "todas as doenças transmitidas pela água são muito comuns" no arquipélago,onde as doenças relacionadas à diarreia são responsáveis por mais de 25 mortes por 100 mil habitantes e a maior causa de morte de crianças com menos de cinco anos de idade.

Deslocamento de famílias

Em um cenário que a água potável está contaminada pela água do mar e nem todos têm acesso ao abastecimento de agua,uma seca agravada pela intrusão de água salgada representaria um "problema realmente grande",segundo o especialista em água,saneamento e higiene do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Ao jornal britânico,ele explicou que diante desse cenário as comunidades "terão que se mudar".

— Mas,mesmo que se mudem,o local onde podem acessar a água subterrânea se torna cada vez mais problemático — explicou,ressaltando a complexidade do problema.

Novo recorde? Ano de 2024 está a caminho de ser o mais quente já registrado

O Guardian informou que o ministro das Mudanças Climáticas do país,Ralph Regenvanu,informou à imprensa em 2022 que o governo está planejando realocar dezenas de comunidades costeiras nos próximos anos devido à crise climática. Além disso,o Unicef e outras ONGs estão trabalhando com o governo do arquipélago e fornecendo financiamento para garantir o acesso da população à água potável. Recurso que,para alguns,só é acessível após uma caminhada de mais de um quilômetro morro acima.

— Esse é um verdadeiro problema — lamentou Hophand.