‘Cheguei a ter 3% de chance de sobreviver’, conta DJ que enfrentou 2 paradas cardíacas e 13 cirurgias após contrair infecção hospitalar

Julio Trindade,DJ e assessor parlamentar que enfrentou superbactéria — Foto: Beatriz Orle

RESUMO

Sem tempo? Ferramenta de IA resume para você

GERADO EM: 14/08/2024 - 04:01

DJ Julio Trindade: batalha contra infecção hospitalar e celebra vida

DJ Julio Trindade enfrenta rara infecção hospitalar,sobrevive a 3% de chance de vida após 13 cirurgias e 2 paradas cardíacas. Luta contra superbactéria KPC,amputações e complicações pós-operatórias. Esposa mobiliza apoio judicial para acesso a tratamento vital. Retorno marcado por humor e celebração da vida.

O Irineu é a iniciativa do GLOBO para oferecer aplicações de inteligência artificial aos leitores. Toda a produção de conteúdo com o uso do Irineu é supervisionada por jornalistas.

LEIA AQUI

“Há cerca de um ano e meio,descobri que estava com apneia do sono. A solução indicada era uma cirurgia ortognática,que mexe com a estrutura do maxilar. Procurei um especialista,fiz o procedimento em maio deste ano. Inicialmente,foi um sucesso. Mas logo depois comecei a ter complicações respiratórias. Quando achei que ia para casa,fui para o CTI.

Acordei cerca de 40 dias depois,e me contaram o que aconteceu nesse meio tempo: 13 cirurgias,duas paradas cardíacas,amputação do pé esquerdo,de dedos do outro pé e da mão direita. Todos os médicos são unânimes em dizer que o que tive foi um caso raríssimo.

Durante minha passagem por dois hospitais,que ao todo levou 75 dias,cheguei a ter 3% de chances de sobreviver. Fui o paciente mais grave do CTI,aos 35 anos,com uma esposa na reta final da gravidez.

Nunca fui exatamente dos esportes,mas sou uma pessoa saudável,ativa,gosto de andar por Botafogo,onde moro. Trabalho como DJ e assessor parlamentar. Sempre tentei levar a vida como festa. Nunca me poupei de estar no bar,tomar uma cerveja,sair para jantar e ir para a roda de samba,que adoro.

Os problemas do pós-operatório começaram quando uma bactéria hospitalar tomou conta do meu pulmão. A situação ficou grave muito rápido,de tal forma que não deu tempo de manifestar sintomas,uma febre ou uma moleza que fosse.

A cirurgia foi no dia 22 de maio. No dia 24,quando o médico chegou para me dar alta,o órgão já estava totalmente comprometido. Lembra da pandemia de Covid,quando uma oxigenação de 90% já era motivo para correr para o hospital? Minha capacidade respiratória foi a 40% depois da infecção.

Precisei ser intubado para compensar a oxigenação baixa,e foi quando tive duas paradas cardíacas,de sete minutos cada. Nem a ventilação mecânica de 100% de O2 conseguiu recuperar a função do órgão,que entrou em choque,na faixa mínima. Era como se eu tivesse um pulmãozinho de recém-nascido. Já saí do centro cirúrgico com as extremidades roxas por falta de suprimento de oxigênio.

Decisão judicial

A única coisa que poderia me salvar numa situação dessa gravidade era um aparelho chamado ECMO (oxigenação por membrana extracorpórea),que funciona como um pulmão artificial,o mesmo usado no caso do ator Paulo Gustavo. Acontece que essa tecnologia é escassa e não estava coberta pelo meu plano de saúde.

Foi uma correria para tentar conseguir na Justiça acesso ao tratamento. Só soube depois,claro,o quanto minha esposa,Maíra Gama,foi incansável,mobilizando advogado e amigos. Ela entrou com o pedido na Defensoria às 14h e às 18h o juiz deu o parecer favorável para que o plano pagasse os custos do aparelho.

Julio com a esposa,Maíra Gama — Foto: Beatriz Orle

Tamanha era a instabilidade do meu quadro que eu não aguentaria uma transferência,a ECMO precisou ser levada até o hospital onde eu estava,a Casa de Portugal. Montaram um centro cirúrgico dentro do CTI. O problema é que o próprio tratamento poderia causar sangramentos graves no meu corpo. A Maíra perguntou qual era a alternativa. Responderam: ‘Não tem. Ou ele vai morrer com certeza ou ele pode morrer’.

Não sei se por conta do trauma ou da sedação,mas eu apaguei e não lembro nem de antes da inconsciência. Tenho flashes do que foi todo esse período: tirando uma foto na recepção,entrando num chuveiro,um enfermeiro brincando comigo que estava me devendo uma cerveja,acordando no CTI do Copa D’Or,para onde fui transferido. E dos pesadelos,desesperadores.

Superbactéria

Demorou um tempo até que os médicos identificassem a causa do meu quadro,uma superbactéria chamada KPC (Klebsiella pneumoniae carbapenemase). A infecção que ocorreu no hospital começou no pulmão,mas se espalhou pelo meu corpo todo. Tive problemas nos rins,no fígado,na medula,gabaritei todas as complicações possíveis. Depois,fiz outras cirurgias para retirar tecido necrosado.

Fiquei sete dias na ECMO. Quando entrei no Copa D’Or,fizeram uma tomografia de corpo inteiro e viram que eu estava com sangramentos em vários microvasos do cérebro,causados pela massagem cardíaca. Os médicos ficavam avaliando riscos e benefícios. Se tomasse anticoagulante para evitar as tromboses,que estão entre os efeitos colaterais do aparelho,poderia agravar esse quadro cerebral. Acabaram não dando.

Não sei em que momento chegaram para me contar que iriam amputar meu pé,se é que isso aconteceu. Acho que me dei conta no último CTI,que já era um quarto mais humanizado e eu estava menos sedado. Só me lembro de pensar: ‘Será que teremos dinheiro para uma prótese?’. Para algumas coisas na vida não precisamos gastar nosso tempo. Eu tinha duas opções,estar morto ou ficar sem um pé. Morrer não é um troço legal,não recomendo.

Julio no samba em sua homenagem,após a internação — Foto: Custodio Coimbra

Em um dos pesadelos que tive no CTI,eu estava numa procissão em um subúrbio carioca,onde estava sendo levado para morrer. Tocava samba e estávamos a caminho de uma igreja na Gamboa. Não conseguia me mexer.

Quando acordei,procurei a Maíra. Tinha certeza de que estava vivendo meus últimos momentos de consciência antes de partir,e quis me despedir. Ela chorou muito,botou minha mão na barriga dela,pediu para que eu ficasse. E eu fiquei,por ela e pelo João (o filho do casal nasceu dois dias depois deste depoimento).

Tive meus momentos de choro,na intimidade,claro. Mas acho que foi o humor que me salvou. Sempre fui muito fanfarrão. Minha psicóloga diz que é um filtro de defesa,já eu acho que é de ataque,meu para cima da dor.

Quando saí do hospital,o caminho normal até minha casa passaria pelo São João Batista. Falei: ‘E eu lá quero passar por cemitério?”. Demos uma volta até o Largo da Prainha,onde fiz meu nome como DJ. Agora é hora da primeira cerveja,no samba que meus amigos organizaram para celebrar minha volta.

* Em depoimento a Gustavo Leitão